segunda-feira, 21 de março de 2011

Relíquias de 5 mil anos são destruídas no Peru. Culpa da construção de canal pelo governo

Trecho do sítio arqueológico de Mauk’Allaqta, que tem urnas funerárias pré-incaicas e pinturas rupestres milenares. FOTO: CELSO JÚNIOR/AE
Caminhões e homens de uniformes e capacetes cor de laranja se movimentam ao longo do Rio Apurimac, nome dado ao Amazonas nesse trecho. São funcionários de uma empresa contratada pelo governo do Departamento (Estado) de Cusco para construir um canal de irrigação, que vai desviar as águas do Apurimac no Peru. Abaixo do canteiro, o rio se estreita para cerca de 20 metros, espremido por paredões. Os camponeses chamam o lugar de Garganta del Diablo.
A obra preocupa arqueólogos, ambientalistas e Ivan Escalante, chefe do Departamento de Turismo da Província de Espinar. No momento em que operários colocam dinamite nas rochas da margem do Apurimac, Escalante aborda o encarregado da obra. Reclama do desmoronamento de urnas funerárias pré-incaicas e do desaparecimento de pinturas rupestres. 
“Não estamos passando máquinas nas rochas”, garante Crisóstomo Lloclla. “Mas da última vez que estive aqui as urnas estavam de pé”, reclama Escalante. O encarregado diz a um subordinado para evitar o uso de máquinas perto das urnas. O funcionário ri. Desolado, Escalante começa a tirar fotos das urnas e pinturas. Um dos desenhos retrata um caçador com uma lança e dois guanacos – animal da família das lhamas que desapareceu há séculos do altiplano.
Disputa. O canal é só um dos problemas de Escalante. O governo de Espinar iniciou uma campanha para impedir que o Departamento de Arequipa construa uma represa nas nascentes do Amazonas, perto do povoado de Angostura. Orçado em US$ 400 milhões, o projeto prevê o represamento dos Rios Apurimac, Siguas e Colca para a construção de usinas hidrelétricas.
Entidades ambientalistas dizem que a obra trará prejuízos diretos para 45 mil camponeses. “Ela teria impacto imediato no frágil ecossistema do cânion de Suykutambo, onde há corredeiras, reservas e sítios arqueológicos”, afirma Escalante.
O governo de Arequipa divulga no rádio e na TV que a represa permitirá levar água a todos os habitantes do departamento. Em campanha contra o projeto, o jornal El Sol, editado em Cusco, denuncia que metade da água represada servirá à mineradora Cerro Verde, 30% irá para irrigação e só 20% para moradias.
Ronald Cordova, gerente do projeto, divulgou relatório para defender a construção da represa. Diz que o represamento tem por objetivo promover a agricultura de exportação. Prevê produção de cebola, uva e alho para a Colômbia, orégano e tomate para o Chile, cebola e alcachofra para Brasil, Estados Unidos e Europa e tomate e uva para China e Austrália. Nada para consumo dos moradores de Cusco ou Arequipa, onde quase 50% das pessoas estão na faixa da pobreza – e mais de 10% ficam abaixo dela.
Selva. Quilômetros abaixo das nascentes, o rio se separa da cordilheira e chega aos primeiros povoados da selva peruana. No distrito de Huanoquite, o Apurimac se junta ao Rio Santo Tomás. Seu cânion se agiganta em Tincocc, a mais de 350 km da nascente, no encontro com o Rio Mantaro. São 3.907 metros de altura.
A maior altitude do cânion do Apurimac, porém, fica a 495 km do Mismi, diante do Nevado Sacsarayoc: 4.691 metros. A 600 km da nascente, começa, de fato, a selva amazônica.“Estes desenhos têm 5 mil anos!”.

FOTO: CELSO JÚNIOR/AE
A quase 200 quilômetros das nascentes, chegamos a Apachaqo, sítio arqueológico a 3.800 metros de altitude, perto da margem do rio. Wilber Arenas, de 26 anos, que vive ali perto, cuida das ruínas. De graça. Sonha com a chegada de turistas, mas há oito meses o livro de visitas não registra a presença deles. 
Numa casa de sillar, pedra clara, moram Cecílio Ala, de 34, a mulher e os três filhos. São os primeiros moradores da beira do rio. Vivem da pesca. Ala diz que a melhor época de fisgar sutis e trutas, espécies típicas de rios de altitude, vai de maio a dezembro. “A época de chuvas não é boa para pescaria.”
Informações: Estadão

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